AMBLIOPIA E TRATAMENTO

Publicado em 7 de novembro de 2024 às 15:58

As opiniões contraditórias pelos diferente profissionais de saúde visual opiniões levam a que muitos tratamentos sejam atrasados e muitas vezes incompletos. Quando um profissional diz uma coisa e outro diz o contrário, o caos instala-se no nosso pensamento duvidando se a decisão que tomamos será acertada. Por isso é muito importante, estar informado sobre as noções básicas de saúde, o que chamamos de literacia sobre saúde. Como o conhecimento não ocupa lugar e como vamos tomar uma decisão sobre algo muito importante para a criança ou para si mesmo, começamos por conhecer e entender os princípios chave da ciência, responsável pela nova forma de abordar e tratar a ambliopia. Só podemos tomar boas decisões quando estas são fundadas em conhecimento prévio e científico, proporcionada pelas novas técnicas de neuroimagem, e não em opiniões desfasadas dos conhecimentos atuais. Durante muito tempo foi-nos dito que os neurónios mortos já não eram substituídos por outros novos. Pois bem, atualmente, está comprovado cientificamente que isso não é verdade. As células mãe estão ativas e quando é necessário esta consegue-se dividir em duas, a célula mãe e noutra célula com potencial de se transformar em neurónio (neurogênese) e migrar para onde seja necessária.  

Portanto, sem mais rodeios, vamos começar por entender, de uma forma muito simples, o que é a neuroplasticidade cerebral, o primeiro princípio chave que alterou a forma e o período de tempo de tratamento da ambliopia. A neuroplasticidade é a capacidade que os neurónios têm em criar novas sinapses ou alterar as existentes para transmitir informação que lhe ativou. Veja a seguinte imagem e observe da esquerda para a direita que houve um crescimento de novas redes neurais.

Todo este processo é complexo e minucioso mas o cérebro consegue fazer maravilhas.

Agora passamos a entender outro principio visual chave, a visão binocular. Os nossos olhos estão programados para trabalhar em conjunto e isto é como tudo na vida, se um faz uma coisa mas o outro não está praí virado, o resultado não vai ser o mesmo. Lembre-se do velho ditado, a união faz a força. Se um dos olhos tiver um problema e for tratado em solitário, podemos até desenvolver a visão desse olho mas como não o motivamos em trabalhar em equipa com o outro olho, a visão em profundidade estará comprometida. Assim sendo, tratar só a ambliopia é deixar o tratamento incompleto. É necessário treinar e convencer o cérebro de que a recompensa de receber as duas imagens (a do olho direito e a do olho esquerdo) é superior a receber uma. Isso se consegue com a repetição da experiência através da terapia visual, para ativar e fazer crescer circuitos que anteriormente não existiam ou estavam debilitados pela falta de uso.

A visão binocular é uma habilidade que não se nasce com ela mas sim desenvolve-se com a experiência, ou seja, uma criança ao nascer ainda não tem capacidade de fixação. O reflexo da fixação central só está consolidado por volta dos 3 meses de idade. Até lá, o sistema motor ocular vai aprendendo com a experiência a controlar os músculos, de forma a que a imagem que está a ver fique centrada no ponto central da retina (fóvea), onde consegue a melhor acuidade visual.

Para o correto desenvolvimento e funcionamento do sistema visual é necessário que todos os interveniente também se desenvolvam corretamente. Imagine que a criança tem um erro refrativo, num dos olhos, superior ao esperado. É fácil de entender que a imagem que chega à retina não é nítida. Esta imagem desfocada pode impedir que a visão total não seja a desejada. Como o nosso cérebro é quem cria a imagem, se encontra um defeito que impede o seu bom funcionamento, encontra estratégias de adaptação à situação, de forma a melhorar o seu rendimento. Uma delas é não usar a rede neural que envia a informação do "olho desfocado", debilitando as sua conexões ao ponto de suprimir. Se suprime, a acuidade visual baixa. As redes neurais não desaparecem na totalidade, só estão mais enfraquecidas em tamanho e quantidade. Seria fazer o caminho inverso da imagem superior.

Outro interviniente no sistema visual e que ajuda a entender a posição de alguns profissionais sobre o tratamento da ambliopia, é o período crítico. O cérebro é como que vem programado para chegar a tal data e fazer uma atualizações de software. Vejamos, há periodos como por volta dos 2-3 anos e depois outros em idades posteriores, em que o cérebro seleciona o que serve e o que já não é necessário. Acontece o mesmo no nosso cotidiano, quando temos um objeto que não usamos ou pensamos que não vai fazer falta, livramo-nos dele para deixar espaço para algo que vamos passar a usar com mais frequência. Assim é o nosso fantástico cérebro, para dar espaço às novas redes neurais que se vão desenvolvendo com a nossa interação com o ambiente e aprendizagem e que as vamos usar com mais intensidade, começa a realizar a chamada poda neural, diminuindo redes neurais pouco usadas. Sendo assim, o período crítico aquele espaço de tempo em que se abrem as portas a oportunidades de aprendizagem e desenvolvimento de competências visuais e mentais. Agora já entende porque a visão dos mais pequenos deve ser vigiada e cuidada ao longo do tempo, especialmente nesta etapa dos 2-3 anos, por ser um período de consolidação da visão binocular. 

Sobre este tema há muito que aprender e ainda hoje cientistas tentam saber exatamente como é que o cérebro activa ou desativa os períodos críticos. Recentemente, investigações propõem que o "culpado" é o tálamo, mas deixaremos que a ciência demonstre com mais convicção.

Agora vamo-nos aproximando daquela pergunta que leva a contradições na resposta:

É possível tratar a ambliopia depois 6-7 anos e até mesmo na idade adulta?

Esta é a tal pergunta de discordia entre os profissionais de saúde visual. É certo, que a ambliopia pode existir por diferentes causas e a resposta, deve ser sempre muito ponderada e direcionada na resolução de um problema, mas nunca podemos fechar a nossa mente ou a possibilidade de vir a ser possível. O cérebro é extraordinário e os avanços nas técnicas de estudo e imagem cerebral vão abrindo horizontes a novas terapias a problemas que nos deixam atualmente preocupados e muitas vezes desanimados.

Numerosos estudos científicos evidenciam a eficácia da terapia visual para ambliopia (terapia dicóptica) depois da etapa crítica, comentada anteriormente, até mesmo nos adultos. É  normal que um olho estrábico, se não é corrigido, não consiga ter sucesso com a terapia visual. Se não melhoramos a causa do problema que fez ao cérebro tomar a decisão da ambliopia, é lógico que por mais terapia que se faça, nunca iremos conseguir a visão binocular. Agora se ao paciente lhe foi corrigido o estrabismo graças ao excelente trabalho do oftalmologista mas permanece com a ambliopia, o optometrista aplicando os conhecimentos e terapias atualizadas com as investigações, pode tratar a ambliopia, realizando desta forma também uma excelente labor.

E aqui está a resposta, é fundamental o trabalho e a comunicação entre os profissionais implicados na saúde do paciente (oftalmologistas, optometristas, pediatras, nutricionistas, psicólogos, etc) de forma a que cada um colabore com o seu conhecimento e habilidade para o paciente ser bem diagnosticado, tratado e seguido. Nos primeiros meses de vida da criança, os pediatras podem animar e potenciar a saúde visual recomendando a realização de consultas periódicas ao optometrista ou oftalmologista pediátrico, antes dos ditos periodo críticos. O optometrista ao detetar anomalias fora da sua área profissional, como é o caso de estrabismos ou patologias oculares, irá encaminhar para o Oftalmologista. Depois de tratada a causa da patologia pode ser encaminhada de novo para o optometrista para a terapia se necessária e para o seguimento. O psicólogo também pode ser muito importante nos casos em que a criança e os pais necesitem apoio para ultrapassar a dificuldade. A nutrição, vital para o bom desenvolvimento e desempenho do corpo-mente deveria integrar nas rotinas de consultas de saúde da criança. A intercomunicação entre a diferentes áreas de saúde é um longo caminho a percorrer talvez pela rivalidade e diferentes egos vividos atualmente. Por esta razão a literacia sobre saúde é importante para que ao não ser possível entre profissionais, o possam fazer de livre vontade os utentes.

E aqui termino dando Graças a Deus.

Sejam Felizes

Dra. Sofia